sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Thierry, o ladrão de sonhos

Por Cíntia Dabés

A mão ajeitou, o árbitro não viu, o gol saiu e a Irlanda chorou. Thierry Henry, astro do futebol francês fez uma jogada no mínimo controversa antes de dar o passe para seu companheiro de time William Gallas, resultando no gol que possibilitou a entrada da França na Copa do Mundo de 2010, vaga que estava sendo disputada com a Irlanda, no último sábado.

O sonho irlandês de participar do maior evento mundial futebolístico em 2010 foi ferozmente esmagado pelo que agora os franceses chamam de “mão de Deus”. Na opinião de muitos, a tragédia também é chamada de “cegueira do árbitro”, “marmelada”, “roubo a luz do dia” e muitos outros nomes que não convém falar publicamente. Em um mundo tecnológico e globalizado como o que vivemos hoje, as mídias de todos os lugares do planeta exibiram repetidamente nessa semana o exato momento da partida em que Thierry Henry direcionou a bola usando a mão, com direito a closes, replays e toda a parafernália que os canais de televisão possuem.

Quando questionado sobre a ética de sua atitude no jogo e o gol que deveria ser anulado e não foi, Thierry foi não só sucinto, mas também fez uma observação brilhante: “Eu não sou o árbitro.” Tenho certeza que a revelação foi um choque para muitos.

Muitas perguntas aparecem, mas há uma que persiste em se sobressair das demais: o que aconteceu com o fair play? Apesar de vários protestos, os representantes da FIFA disseram em um comunicado oficial que não haverá repetição do jogo França versus Irlanda. Sendo esse o caso, só nos resta dizer o óbvio: “Au revoir, Irlanda!”

Desconstruindo uma celebridade



Por Cíntia Dabés


O fascínio das pessoas pelos famosos possui origens psicológicas, sociológicas e culturais

A celebridade é considerada um semi-deus na sociedade pós-moderna. As pessoas com o rótulo de famosas são a “realeza”, um grupo à parte da maioria, composta apenas dos meros mortais, a “plebe”. Esta analogia é, sem dúvida, um retrato dos níveis de importância do indivíduo inseridos no contexto do convívio social, não priorizando somente o aspecto financeiro, mas principalmente a quantidade de aparições públicas da pessoa em jornais, revistas, canais de televisão e outros tipos de mídia.

A adoração de celebridades não é um fenômeno atual. “Desde a antiguidade, as pessoas tem acompanhado a vida, os amores e as tragédias de figuras famosas” diz a psicóloga Kendra van Wagner, Mestre pela universidade de Boise nos Estados Unidos. Van Wagner ainda afirma que esse tipo de admiração pode levar à depressão, disfunção social, ansiedade, stress e insatisfação com a própria vida.

De acordo com a psicóloga Dra. Jennifer Gibson, há dois tipos de adoração de famosos: “quando é puramente com a finalidade de entretenimento, é um passatempo muito saudável para a maioria das pessoas. Esse tipo de admiração possui comportamentos inofensivos, como ler e aprender sobre uma celebridade em particular.” Por outro lado, Gibson destaca também os pontos negativos do culto aos famosos. “Atitudes pessoais intensas para com celebridades, no entanto, refletem traços de neurose. As mais extravagantes descrições de adoração de celebridades exibem comportamentos patológicos e elementos de psicose. Este tipo de fanatismo pode apresentar empatia pelos erros e sucessos de uma celebridade, obsessões por detalhes de sua vida pessoal e uma identificação exagerada com o famoso”, pondera a psicóloga.

Algumas celebridades são alvos constantes de perseguições de fãs, os chamados “stalkers”. Sandra Bullock, Richard Gere, Steven Spielberg, Mel Gibson, Janet Jackson e muitos outros famosos já sofreram com esse tipo de problema. John Lennon, o ex-Beatle e ativista político, foi assassinado por um fã logo após sair de seu apartamento em Nova York. O acontecimento chocou o mundo e até hoje é tema de grande polêmica.

Nessa mesma questão, “há diferentes reações para as pessoas que já possuem certos distúrbios, cada caso é singular”, afirma a psicóloga Sandra Espinha. “A pessoa histérica, por exemplo, responde com a inveja; o psicótico, com um amor e ódio doentios e o obsessivo tem sonhos com a celebridade e acredita ter um relacionamento com ela.”

Apesar de todo o poder aparente, a maior influência tanto para colocar a celebridade no topo, quanto para destruí-la pertence ao público. Um grande número de pessoas sentem um certo prazer em ver, ouvir e/ou relatar escândalos e tragédias na vida dos famosos. Justificando esse comportamento, Espinha afirma que “apesar do famoso ser admirado, o público sente como se este tivesse roubado algo que é seu. Isso é uma das causas da inveja. O prazer que a pessoa sente ao ver um escândalo ou uma falha de uma celebridade dá-se à satisfação que ela adquire ao saber que tal figura não é tão perfeita, que possui defeitos como toda pessoa normal. Você ataca no outro aquilo que não gosta em você mesmo.”
A ex- boa moça, a cantora Britney Spears, é um perfeito exemplo do quão poderoso é o poder do público em relação não só à imagem da celebridade, mas em sua vida pessoal. Desde o começo de sua carreira, Britney sempre foi retratada como um modelo à ser seguido pelos jovens. Ficou muito tempo no topo, como o simbolo teen da perfeicao. Contudo, desde 2006 a famosa tem protagonizado cada vez mais escandalos, como o uso constante de drogas e alcool, o divorcio nada amigavel com o seu ex- marido Kevin Federline e a luta pela guarda dos seus filhos. Apos o divorcio, Spears caiu em depressao e chegou ate a raspar a propria cabeca.

Os lucros com as vendas de revistas de fofoca sobre o assunto dispararam e nesse periodo o nome de Britney Spears nunca foi tao procurado no site de buscas Google.

A explicação para este tipo de comportamento não é tão recente. Nas teorias freudianas, as pessoas possuem um mal estar psicológico ineliminável, e a atitude em relação à esse sentimento é diferente para cada um. Comportamentos como anorexia, bulimia e auto-flagelação resultam desse mal estar interior, que pode ser causado pela padronização ideal de comportamento e beleza na sociedade contemporânea. A celebridade representa o padrão, o perfeito, o paradigma. Quando quebra-se esse paradigma, o famoso se distancia da figura de semi-deus e aproxima-se do humano.

Segundo a tese do renomado sociólogo polonês Zygmunt Bauman, ao longo da história da humanidade o mundo sempre teve ideais para guiá-lo, como o Iluminismo, a democracia, o nazismo e o anti-nazismo, o comunismo, a revolução francesa, o movimento feminista e vários outros; comandados por seus líderes (Júlio César, a Igreja Católica, Aldolf Hitler, Winston Churchill, Martinho Lutero, Mahatma Gandhi Napoleão, Karl Marx, o Dalai Lama, etc). Atualmente, com o fortalecimento e o enraizamento do sistema capitalista, a sociedade pós-moderna foi perdendo seus ideais e, conseqüentemente, seus líderes.

Quando os ideais caem, prevalece uma perversão generalizada: o capitalismo promete a felicidade não por um ideal, mas por produtos, que criam a ilusão de que irão preencher uma falta existente que varia em cada ser humano. O capitalista lida sempre com a falta, mas não a reconhece e, como mencionado antes, essa falta é uma das razões para a adoração da celebridade e esta, de algum modo, procura saciá-la.

Pode-se fazer um paralelo da teoria de Bauman com o fenômeno da fama no mundo contemporâneo. O sucesso dos famosos dá-se pela queda dos ideais no sentido de que, na mentalidade coletiva, as pessoas sentem-se impelidas à se identificar com as celebridades (paradigma de perfeição atual), tentando recuperar os ideais sociais perdidos.

Com a padronização baseada nas celebridades, há uma tentativa de igualar as pessoas eliminando suas diferenças. Os grupos de pessoas que se reúnem por um algo em comum não suportam as distinções de cada um. Na época dos ideais, os grupos se uniam por amor ao Líder, hoje, as pessoas se organizam por estilo de vida e rótulos (os “emos”, as anoréxicas, os metaleiros, os alternativos, etc).

As celebridades são as novas líderes da sociedade, seus estilos de vida e aparência os novos ideais- supérfluos. Estudos afirmam que este fenômeno começou com os “mitos femininos” do cinema, tais como Marilyn Monroe, Katherine e Audrey Hepburn, Sophia Loren e Elizabeth Taylor.
(Reportagem publicada no jornal "O ponto" da Universidade FUMEC)